5 de fevereiro de 2012

Renasce a esperança de futuro para os alfaiates

Jornal de Angola
Sampaio Júnior | Benguela - 05 de Fevereiro, 2012


Apesar da fraca adesão de jovens há escolas que ministram cursos de corte e costura para a actividade não desaperecer



Fotografia: Jornal de Angola

Com a industrialização dos têxteis e a produção em série de peças de roupa a preços mais convidativos, o chamado pronto-a-vestir que provocou alterações no modo de encararmos a roupa, a procura de alfaiates é cada vez menor. São poucas as pessoas que  procuram  “roupa por medida”, por preferirem ir à loja ver, experimentar e comprar. Com  a recuperação da unidade fabril África Têxtil renasce, no entanto, a esperança da continuação da profissão de alfaiate. A unidade vai relançar no mercado nacional uma gama luxuosa de tecidos modernos e incorporada às novas tecnologias.

O anúncio recente, feito pelo Executivo, sobre a produção de algodão e recuperação das unidades de produção de têxteis, surge a tempo. Trata-se de uma oportunidade  para que não seja posto um ponto final na profissão de alfaiate.

Actualmente, toda a gente veste quase igual, sem o requinte de outrora. A profissão de alfaiate constitui um importante segmento de negócios, como ferramenta de uma área que pode contribuir para a diminuição do desemprego, precisa resgatar a personalização perdida, fazer com que as pessoas que dominam a arte voltem a fazer da costura o sonho das suas vidas.
Simão Lusungo, 36 anos de carreira, tornou-se alfaiate na província de Cabinda. Há 13 anos que vive na cidade de Benguela, onde desenvolve a actividade com brio. Por falta de instalações condignas, montou uma barraca improvisada no mercado informal da Caponte, onde mantém a esperança de nos próximos tempos edificar uma propriedade para dar continuidade à arte de transformar as roupas dos clientes. Agora que o Executivo tem fortes pretensões de apoiar os micro e pequenos empresários, por via de créditos bancários, ainda acredita na possibilidade de o seu negócio voltar a prosperar.

Trabalhar sobre tecido é, para ele, uma obra de arte que só pode ser feita por pessoas competentes. “A procura de alfaiates esteve, nos últimos quatros anos, em maré muito baixa. Mas agora, que os salários da Função Pública tiveram algum acréscimo, já recomeçamos a ter clientes que mandam fazer roupas com rigor, em particular as senhoras”, disse, acrescentando que “ainda sou procurado por jovens que pretendem um fato de cerimónia, alguns executivos que normalmente usam fato no dia-a-dia, nos quais noto algum requinte. Até dá gosto vê-los vestidos”.

A alfaiataria é uma actividade que vai desaparecendo e os profissionais que ainda persistem na arte de costurar  roupas fazem-no por uma questão de sobrevivência, numa altura em que os jovens demonstram pouco interesse em apreender a arte, e os “mestres” que ainda se dedicam a esta actividade são usualmente mais velhos. Distantes vão os tempos festivos em que as pessoas tinham habilidades no traje, roupa nova costurada ao seu critério.
Agora, basta ir ao fardo, a uma boutique ou a uma loja de pronto-a-vestir.
Simão Lusungo considera que com o anúncio da reabilitação da fábrica África Têxtil, renasce a esperança para os alfaiates, que advinhavam o fim da profissão.


“Com a entrada em funcionamento desta importante unidade de produção no ramo dos têxteis, a profissão de alfaiate pode continuar com pessoas que tenham jeito para esta actividade”, disse. O alfaiate está convicto que a cultura de vestir pode ganhar um novo figurino, graças à variedades de tecidos que vai ser injectada no mercado nacional.


“Actualmente, as pessoas ligam mais à imagem do que à qualidade dos produtos”, salientou.
Neste sector de actividade não existe, curiosamente, formação profissional. Por isso, a aprendizagem é feita na prática, com os ensinamentos dos profissionais mais experientes. O aprendiz tem de estar sempre ao lado do mestre para aprender. “Esta profissão também pode contribuir para diminuir o desemprego de muitos jovens de ambos os sexos e vale a pena passar pela aplicação do saber e obter resultados práticos, sobretudo quando aliado à habilidade”, salienta Simão Lusungo.


“É fácil, para quem quer aprender,  alcançar os seus propósitos, o aprendiz tem de possuir vontade e entrega. Além disso, o  entusiasmo do mestre é que conquista o aprendiz, mas um dos factores importantíssimos é o domínio que o mestre tem de ter sobre a matéria”, acrescentou o alfaiate.  


África Têxtil relança esperança


A reabilitação da África Têxtil dá um novo sentido de oportunidade à reactivação das profissões de alfaiate e de modista, que quase caíram em desuso. Com a produção desta unidade, os estabelecimentos comerciais e o mercado informal vão poder voltar a vender tecidos a metro, medidos  em cima  de balcões de madeira desgastados pelo tempo. Com a produção da fábrica, vamos regressar à moda dos velhos panos do Congo, dos kimones verdadeiramente da terra, que actualmente voltam a colorir os corpos das senhoras em momentos festivos ou mesmo noutras cerimónias protocolares.


“É o dia-a-dia que os olhos mostram, principalmente em época de férias, com os forasteiros a pararem boquiabertos em frente dos estabelecimentos, a pedirem para entrar e admirarem as prateleiras recheadas de tecidos com marca made in Angola”, explica Simão Lungo.
A indumentária tem forte poder de influência nos contactos sociais e profissionais.


Por isso, cada pessoa deve vestir-se de acordo com os seus interesses e com o mundo em que vive. Para que a aparência pessoal seja positiva, além do bom gosto, bom senso e de alguns critérios, é preciso dispor de tempo para pesquisar não só as marcas, mas também os preços. É importante estar bem vestido e preparado para situações esperadas, mas também para eventuais imprevistos.


Novas tecnologias


As novas tecnologias facilitam o tempo e as mãos que manejam durante menos horas a agulha em    riste. Por isso, a vida de alfaiate não é para qualquer um, é preciso ter vocação. Simão Lungo acredita que os processos modernos não deixam ficar para trás a sua profissão e considera que outras técnicas hão-de surgir.


“Por certo vai ser encontrada uma alternativa. Talvez a carência seja motivo de atracção para os costureiros do futuro”, disse.


A modernidade trouxe mais liberdade à expressão artística e já nada é tão formal. Contudo, a tradição das rendas nos punhos da camisa e no bolso direito do colete permanece. O assunto não é somente da indumentária correcta, mas também a observância do sensual, do vulgar e da elegância.


Gosto pela profissão


A profissão de alfaiate é uma das mais antigas do mundo. Desde os primórdios, no Egipto, posteriormente na Grécia e Roma, durante a Idade Média e Renascença, destacava-se pela influência dos seus profissionais a nível social, através daqueles que se apresentavam bem vestidos.
Simão Lusungo faz parte de uma geração que começou a apreender muito cedo o seu ofício, quando, na maior parte dos casos, depois de se completar a quarta classe “antiga”, homens e mulheres começavam a trabalhar para sustentar a vida.


Ser alfaiate não é uma arte fácil de aprender, é extremamente minuciosa, exige empenho e vontade de aprender, “tem de se gostar muito disto para enveredar por este ramo de actividade.


“Os jovens de hoje não se interessam porque querem algo que possam aprender rapidamente e que gere lucros imediatos”, frisou o Simão Lusungo.


A concorrência imposta pelo mercado, explicou, com as boutiques e a roupa usada do “fardo”, provocou uma viragem vertiginosa na maneira de vestir dos angolanos, tornando a arte uma actividade em vias de extinção, uma vez que são poucos os jovens interessados em trabalhar nesta área.


É pena ver os estabelecimentos, que antes eram lojas para venda de fazendas, transformadas em locais de venda de bebidas alcoólicas ou outros bens alimentares. Uma tendência que pode vir a ser invertida, quando a África Têxtil invadir o mercado de belos panos com estampados nacionais.


http://jornaldeangola.sapo.ao/25/0/renasce_a_esperanca_de_futuro_para_os_alfaiates

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